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Title: Haicais for a season

Writer: Andrea Zanzotto

Translator: Patricia Peterle

Organizer: Patricia Peterle

Information about the work

  • Classification: Poemas; Tradução
  • Format of work: Anthology
  • Publisher: 7 Letras, Rio de Janeiro, RJ
  • Publication year: 2023
  • Languages: Português
  • Original title: Haiku for a season
  • Complete translation of the work(s)
  • Language(s) of the translated work: Inglês; Italiano
  • Medium: Impresso
  • Number of pages: 160
  • Dimension: 14x21cm

Source(s)

  • Projeto Dicionário Bibliográfico da Literatura Italiana Traduzida

Description

Esta obra é póstuma.

Fierce

Por entre línguas: a tradução dos Haicais de Zanzotto

Patricia Peterle (UFSC/CNPq)

Abril/2025


⠀⠀⠀ Haicais for a season não é a primeira tradução em livro de Andrea Zanzotto. Em 2021, no centenário de seu nascimento, foi publicado o volume Primeiras Paisagens, que reúne seus três primeiros livros (Por trás da paisagem 1952; Elegia e outros versos 1956; Vocativo 1958), com o apoio do Istituto Italiano di Cultura de São Paulo. A publicação dos Haicais se insere, assim, num projeto ligado ao incentivo e à circulação desse autor, e em um projeto maior no qual venho trabalhando, ligado à poesia italiana traduzida. Resolvi trazer a experiência dos Haicais por seu caráter radical.


⠀⠀⠀Andrea Zanzotto, poeta italiano que decide escrever haicais – ou “pseudo-haicais” como ele mesmo chama, numa língua, em inglês, que pouco dominava. O que temos é: um poeta italiano que revisita a tradição clássica japonesa e a une à modernidade do inglês. Operação no mínimo complexa. E tal operação se torna mais imbricada, ao se saber que, alguns anos depois de ter escrito os haicais em inglês, Zanzotto decide voltar e se debruçar nestes mesmos textos e “autotraduzi-los” para o italiano. Claro que não é uma simples tradução (autotradução), na verdade, é um desdobramento, um suplemento ou, se quisermos, uma prótese em relação ao texto em inglês. Isso porque os textos em italiano se apresentam como ‘os mesmos’ textos, mas também se tornam, pouco a pouco, outros. De fato, o traço do imprevisível marca o que poderia ser chamado de reescrita num go-between , quando se pensa nos textos em italiano. Não se trata exatamente de tradução, pois a passagem porosa do inglês para o italiano é feita tempos depois (não é concomitante) e exige uma releitura, um percurso pelas línguas que não pode se manter ileso e não pode não sofrer modificações. Os haicais foram escritos entre a primavera e o verão de 1984 e são a última obra aprovada em vida pelo poeta. A primeira edição é americana e póstuma, organizada por Anna Secco e Patrick Barron, publicada pela Chicago University Press, em 2012. A edição italiana só sai em 2019, pela Mondadori. Em 2021, no centenário de nascimento do poeta, saiu também uma tradução francesa trilíngue, organizada por Philippe Di Meo.


⠀⠀⠀ O inglês dos Haicais mostra-se como uma língua minimalista, numa sintaxe estranha, que oferece flashes de imagens e imagens em ação. Uma língua distante e não amada, aliás, muitas vezes criticada como sendo a língua do consumo, inclusive uma espécie de sintoma do empobrecimento linguístico e cultural, como muitas vezes declarou o próprio Zanzotto. Outras eram as línguas talvez mais íntimas fora das fronteiras venetas e italianas, o alemão do amado Hölderlin, que não deixa de ser também a língua da violência nazista presente em suas prosas, e o francês, língua literária, trazida em alguns poemas, e língua de George Bataille, por ele traduzido. O inglês dos Haicais é uma língua corroída, corrompida, reduzida ao máximo, talvez por isso se afaste daquela marca de inautenticidade tão enfatizada e criticada por Zanzotto em outros momentos. Um grau zero da língua, como ele mesmo disse em uma entrevista. A língua da alienação, do “lixo”, da publicidade, o globish , mas também do poder, se torna, agora, nessas páginas, uma trilha possível, num complexo momento marcado por certa afasia e profunda depressão, rumo à poesia. Nas palavras de Stefano Dal Bianco:


"Na poesia de Zanzotto em geral, o inglês é a língua bastarda da propaganda, da contaminação, do plástico, do trash, do desenho animado, dos produtos comerciais, é uma “buzinação americanoide”, é a língua da guerra fria, do poder e do imperialismo americano, da economia, da usura, do dinheiro simbólico, da sofisticação. E ainda é a língua da irrealidade virtual, da internet. O inglês é uma gororoba linguística, um gel, uma língua-detrito massificada. Contudo, o inglês desses Haicais é incrivelmente pacífico, inocente e, aliás, um pouco childish, um pouco infantil [...] Uma espécie de férias saudáveis do italiano [...]."


⠀⠀⠀ Zanzotto afirma “Eu os compunha em um inglês reduzido quase ao grau zero, mínimo e minimalista, porque conhecia pouco essa língua, mas gostava de explorá-la”, é a partir do gesto da exploração no interior de uma língua outra, que ele toca as potencialidades fônico-tímbricas e o característico monossilabismo do inglês em versos como: “fragments / of far future events” (p. 32); “nothing / made sh-shining tics” (p. 31); “Maybe bees of ice” (p. 63).


⠀⠀⠀ Diz ainda Zanzotto, na entrevista para Marzio Breda:


"Foi um momento sombrio, como se eu tivesse sido imerso em um pântano lamacento, aliás, um esgoto, e as palavras – muito poucas, no início parecidas com cãibras verbais – saíram de mim como se fossem bolhas. Eu gargarejava um fluxo de fragmentos e variações, retornos e reformulações, com hibridações linguísticas... oscilava entre a mudez e um balbuciar de uns poucos vocábulos, drenando uns pseudo-haicais que, numa espécie de efeito magnético, se distribuíam em grupos, em pequenas coroas."


⠀⠀⠀ Um cruzamento, um enxerto, que não respeita a rígida forma dos três versos 5 + 5 + 7, contudo, consegue manter a leveza, a brevidade, o dado sazonal, a relação com a natureza e a pontuação reduzida ao mínimo. No texto escrito como introdução para uma antologia de Haicais na Itália, publicada em 1982 – ou seja, antes da escrita dos seus –, Zanzotto expressa a intimidade e o desejo por essa forma: “energia lampejante nesses leves coágulos de versos”, que passam também a ser evocados no “bater de um logos que está quase sempre livre das suas obrigações de um sujeito”, e é aqui que se desperta aquele vagido que é a poesia. E só pode ser neste espaço “livre das obrigações” que a tradução dessas “moléculas” – outro termo usado pelo poeta para se referir ao haicai – se realiza. A aposta de Zanzotto é um lance, um arriscar-se numa aventura que só pode se dar por-entre-e-nas -línguas, assumindo assim a precariedade, que não deixa de ser uma aposta no desejo do objeto perdido. A tradução dessa obra exige por si só, então, outro lance, ou, nas palavras de Maurício Cardozo, “um texto outro – uma vez que, nessa condição de alteridade, que lhe é inalienável, não lhe é dada outra possibilidade, a não ser a de ser outro texto ”.




⠀⠀⠀Se no Convívio Dante afirma que a tradução de poesia beira o impossível por nela se efetivar o “enlace musaico” (das musas, da música), ou seja, aquela ligação semântica e sonora pertencente à intimidade de uma determinada língua, Zanzotto, na segunda metade do século XX, tradutor de Bataille, afirma que a entrada na poesia é distorção também do valor das palavras, uma vez que escrever poesia é, sobretudo, delinear uma língua-na-língua. Isso comporta que a “dimensão vital”, para usar uma expressão de Maurício Cardozo, nessa trama por-entre-as-línguas, só se mostra mediante seu próprio esgarçamento, a saber, naquela singular relação paradoxal entre continuidade e descontinuidade.


Referências

BREDA, Marzio. “Haiku, la cura di Zanzotto”, in Corriere della Sera, 30 de setembro de 2012.

DAL BIANCO, Stefano. “Le lingue e l’inglese degli Haiku”, in BONGIORNO, Giorgia, TOPPAN, Laura. Nel “melograno di lingue” – Plurilinguismo e traduzione in Andrea Zanzotto. Firenze: Firenze University Press, 2018.

DAL BIANCO, Stefano, “Os Haicais for a season de Andrea Zanzotto”, in ZANZOTTO, Andrea. Haicais for a season. Trad. e org. Patricia Peterle. Rio de Janeiro: 7Letras, 2023.

CARDOZO, Maurício. “Haroldo de Campos: recriação, transcriação e a tradução como forma de vida”, in SICARCAR, Marcos; DE MORAES, Marcelo Jacques; CARDOZO, Maurício Mendonça. Vida poesia tradução. Rio de Janeiro: 7Letras, 2021.

PETERLE, Patricia. “A experiência bélica: entre paisagem e linguagem”, in À escuta da poesia. Belo Horizonte: Relicario, 2023.


Reference

ZANZOTTO, Andrea. Haicais for a season. PETERLE, Patricia (org). Translation from Patricia Peterle. Rio de Janeiro, RJ: 7 Letras, 2023.


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