Por Agnes Ghisi
Maio/2025
⠀⠀⠀Cesare Pavese (Santo Stefano Belbo, 9 de setembro de 1908 – Turim, 27 de agosto 1950) foi um escritor, tradutor e poeta italiano conhecido por obras como Lavorare stanca (1936), Feria d’agosto (1945), I dialoghi con Leucò (1947), La casa in collina (1948), Il diavolo sulle colline (1949), La luna e i falò (1950), Verrà la morte e avrà i tuoi occhi (1951, póstumo), bem como por traduções de James Joyce, Hermann Melville, John dos Passos, John Steinbeck, Charles Dickens, William Faulkner e outros autores, sobretudo de língua inglesa, dado que o autor se formou na Universidade de Turim com uma especialização em literatura estadunidense. Tendo produzido principalmente durante o período do fascismo italiano, Pavese foi um dos principais intelectuais do seu tempo e, apesar de inscrito no Partido Fascista, foi preso em 1935 acusado de antifascismo e condenado a três anos de cárcere, dos quais cumpriu um ano de confinamento em Brancaleone Calabro.
⠀⠀⠀No Brasil, o autor conta com algumas obras suas traduzidas já nos anos 1980, como O belo verão (Brasiliense, 1987) e A lua e as fogueiras (Brasiliense, 1988). Em 2020, ano em que se completaram 70 anos desde o falecimento do autor, novas traduções passaram a ser trabalhadas. Trabalhar cansa, livro que marca a estreia poética de Pavese na Itália e que é talvez o seu título mais conhecido, foi publicado pela primeira vez pelas editoras Cosac & Naify e 7Letras em 2009, na coletânea Ás de Colete, com tradução de Maurício Santana Dias, cuja tese de doutorado, defendida em 2002 na Universidade de São Paulo, consistia na tradução dessa obra. Em 2022, Trabalhar cansa foi reeditado pela Companhia das Letras numa reprodução quase integral da primeira edição e com notas do tradutor àquela edição. Nesse texto, Dias afirma que a quase integralidade da reedição da obra se deve porque “caso o fizesse, ele seria outro livro. Afinal de contas, Cesare Pavese é outro, o tradutor é outro e, em boa parte, os leitores serão outros” (DIAS, 2022, p. 11), apontando para o movimento constante que é operado durante o trabalho de tradução. A editora Colenda publicou o mesmo título no mesmo ano de 2022, com trabalho de tradução de Andreia Riconi. Pela Edições Jabuticaba, sempre em 2022, o trabalho de tradução de Claudia Tavares Alves e Elena Santi se debruçou sobre Virá a morte e terá teus olhos. Título também publicado pela Casa editorial K edições, com tradução de Francisco De Mateu, Daniel Delatin e Cristiano Passos. Outros livros que já haviam sido publicados desde a década de 1980 contaram com novas publicações e edições no mercado editorial brasileiro.
⠀⠀⠀Trabalhar é um prazer e outros microcontos, publicado pela editora 7Letras em 2022, é fruto de um trabalho coletivo de tradução do Grupo de Prática de Tradução Literária organizado pelo Núcleo de Estudos Contemporâneos de Literatura Italiana (NECLIT/UFSC) durante o segundo semestre de 2019. O grupo foi coordenado por Francisco Degani, sob orientação da professora doutora Patricia Peterle. A escolha do autor e do material a ser traduzido foi feita democraticamente e levou em consideração o fato de Pavese ainda ser pouco traduzido e estudado no Brasil – Degani se refere a Pavese como “um importante autor italiano pouco traduzido no Brasil” (DEGANI, 2022, p. 81) e Dias considera que “Pavese ainda é praticamente desconhecido no país” (DIAS, 2022, p. 13). Vale notar que essa citação de Dias data, na verdade, de 20 anos antes, mas a popularidade de Pavese no Brasil não parece ter aumentado tanto desde então. Outro fator importante para a decisão coletiva foi o material que se tinha à disposição, isto é, o segundo volume da obra Racconti, publicada pela Einaudi em 1968, que conta com 51 narrativas curtas de Pavese. A partir da sua leitura integral, e considerando a extensão de cada narrativa, cada tradutora e tradutor escolheu entre um e dois microcontos para traduzir visando o estilo conciso e elíptico de Pavese. Ou seja, para a prática da tradução em grupo a ampla escolha de textos permitiu ao grupo algo mais substancioso com o qual trabalhar, seja na escolha do texto a ser traduzido seja para conhecer mais o estilo do autor e suas palavras caras, que aparecem em diferentes contextos, bem como as suas preferências paisagísticas e temáticas.
⠀⠀⠀A obra conta com apresentação e nota à tradução assinadas por Degani e catorze microcontos, traduzidos por Agnes Ghisi, Caroline Weiss, Fabiana V. Assini, Helena Bressan Carminati, Iane Poyer, Luiza Kaviski Faccio, Mariele Lucia Tortelli, Nirvana Dornelles, Patricia Peterle, Rossana Cristina Salvador e Tiago Faria. A revisão final das traduções também é de Degani, que comenta na apresentação: “optar por traduzir esses contos de um período tão conturbado e intermediário na produção do autor [...] pode revelar um Pavese às vezes experimental em seu roteiro entre a poesia e a prosa, às vezes seguro de que nesse eterno retorno se esconde a fonte de uma poética consistente justamente por ser imutável” (DEGANI, 2022, p. 9). Ou seja, ainda que o autor continue não sendo particularmente popular entre o público brasileiro leitor de literatura italiana, o livro oferece novas perspectivas para quem lê Pavese.
⠀⠀⠀De fato, diferentemente das traduções de narrativa de Pavese que se tinha no Brasil até então, essa seleção de microcontos apresenta textos curtos e sintéticos, com forte lirismo e o estilo característico do autor, marcado pela precisão da palavra e pelo seu simbolismo (cf. DEGANI, 2022, 10). Isto porque o objetivo do grupo de tradução foi o de “sustentar e espelhar o ritmo da narrativa do texto de partida” (DEGANI, 2022, p. 81), preservando uma coesão no resultado. Para que isso fosse alcançado, o trabalho de tentar dar coletivamente uma voz coesa ao texto traduzido se baseou numa constante discussão e leitura dos textos traduzidos, bem como no trabalho continuado de revisão e leitura de Degani, que afirma que “a cada reunião quinzenal eram discutidas as dúvidas, as escolhas e as soluções encontradas” (DEGANI, 2022, p. 82), ou seja, a tradução a muitas mãos buscou, junto, dar uma mesma perspectiva para esse novo Pavese que se apresentava.
⠀⠀⠀Na publicação brasileira, os microcontos estão organizados de modo diferente de Racconti (cf. PAVESE, 1968, p. 279-283). Para entender melhor o que o público leitor encontra dentro dessa pequena publicação, apresento a estrutura do livro com o título traduzido, o seu título em italiano, a sua posição em Racconti, quando foi escrito e se foi publicado em alguma revista ou livro, e, por fim, o nome de quem traduziu para o português. Nessa sequência de informações, a obra brasileira está estruturada da seguinte maneira:
⠀⠀⠀Todas essas informações ajudam a criar um panorama de um período de produção de Pavese, período profícuo, sobretudo no início da década de 1940. Os dois volumes de Racconti da Einaudi compreendem as publicações que datam de 1936 a 1950, ou seja, todo o período ativo do autor. O primeiro volume conta com 16 narrativas, escritas entre 1936 e 1938, enquanto o segundo conta com 51 narrativas, que datam de 1938 a 1950, sendo a última um título muito conhecido, La luna e i falò, escrita no final de 1949. Já a publicação brasileira se concentra na década de 1940, período de intensa atividade literária do autor.
O caráter coletivo do trabalho de tradução, que durou quase dois anos e culminou nessa publicação, como já apontado por Degani, busca apresentar um texto coeso, no qual as decisões tradutórias visam mais o todo da publicação do que qualquer caráter individual de cada pessoa que participou do grupo de tradução. Esse trabalho de fusão parece dialogar com uma característica fundamental de Pavese que, na sua escrita, buscava um intricado entre prosa e poesia, entre “tradições tão díspares” (DIAS, 2022, p. 17). Com essa obra, o público leitor poderá observar um Pavese mais intimista, em “seu retorno ao passado, um mergulho na memória como recuperação do maravilhoso tempo da infância. O retorno-recordação que permite a Pavese voltar, pela narrativa, aos símbolos perenes do destino humano” (DEGANI, 2022, p. 7), como afirma Degani na apresentação do livro.
DEGANI, Francisco. Apresentação. In: PAVESE, Cesare. Trabalhar é um prazer e outros microcontos. 1ª edição, Rio de Janeiro: 7Letras, 2022.
DIAS, Maurício Santana. Nota a esta edição. In: PAVESE, Cesare. Trabalhar cansa. 1ª edição, São Paulo: Companhia das letras, 2022.
DIAS, Maurício Santana. A oficina irritada de Cesare Pavese. In: PAVESE, Cesare. Trabalhar cansa. 1ª edição, São Paulo: Companhia das letras, 2022.
PAVESE, Cesare. Racconti. 1ª edição, Turim: Einaudi, 1968.
PAVESE, Cesare. Trabalhar é um prazer e outros microcontos. DEGANI, Francisco (org). Translation from Caroline Weiss et al. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: 7 Letras, 2022. ISBN: 9786559054251.